'É um ano muito diferente'
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Felipe Alípio - Técnico do Futsal S.L. aponta preocupação com organização e realização das competições
Em entrevista, Rodrigo Ferretti, Técnico do Futsal S.L., relata preocupação com a temporada
Rodrigo Antônio Coelho Vaz Martins, mais conhecido por 'Rodrigo Ferreti', está à frente dos trabalhos técnicos do Futsal São Lourenço. No segundo ano consecutivo em São Lourenço do Oeste, encontrou um desafio inédito em sua carreira de 16 anos dedicados ao futsal, superar uma pandemia. Diante de tantas incertezas, em entrevista, ele fala sobre o atual momento vivenciado por esportistas e equipes.
Destaque Regional - Em sua carreira, já viveu alguma experiência parecida ou próxima realidade da temporada de 2020?
Ferreti - Não... Nesses 16 anos que a gente pode citar, eu vou puxar até mais e que são os meus 38 anos de vida, nunca vivi uma situação como essa. Como está sendo esse ano de 2020. É um ano diferente, onde o isolamento, imposto e necessário, para a situação do Coronavírus seja resolvida. Do ponto de vista esportivo é muito ruim para o esporte. Querendo ou não, a gente vive da competição, do enfrentamento. A gente trabalha um período preparando a equipe para uma situação que a gente visualiza, que é a metodologia e acredita que é o que se tem de melhor em tática, estratégia e parte técnica para os atletas na pré-temporada, para depois a gente viver na competição, no enfrentamento. A temporada se iniciou em fevereiro, estamos em setembro, hoje dia dois de setembro, já são sete meses sem jogo. Nosso último jogo foi realizado em março, no fim da pré-temporada. A gente tem seis meses sem jogo. Isso, para o treinador e para o atleta, é muito ruim. Já que o adversário é o que lhe dá a tônica da preparação na sequência. Você está sempre se preparando para aquilo que o adversário vai produzir para você. Depois do jogo, você está sempre corrigindo aquilo que não deu certo. A gente não tem isso hoje. Essa parte do treinamento, da evolução técnica e tática do treino a gente não tem. É um ano muito diferente.
DR - Como profissional do esporte, o que representa viver uma fase. Como isso interfere na carreira de um atleta?
Ferreti - Como profissional, tenho usado a pandemia como um período de reinvenção. Tenho tentado elaborar novas situações para os treinos, tenho buscado corrigir erros como profissional e estudar cada vez mais. Nesse momento é o mais pertinente a se fazer e o que a gente pode fazer. Para o atleta, como disse, não tem evolução. Por mais que a gente busque o treino, o atleta fica estagnado. Em uma situação de falta de competição, isso gera outras questões dentro do treino, como atritos. Em situações de treino, onde o estresse da falta de competição acaba fazendo com que um atleta chegue mais forte no outro, o que acarreta em lesões. Pensando no futuro do futsal, no futuro do esporte, a pandemia trouxe muitos problemas financeiros às equipes, houve equipes que fecharam, outras que reduziram salários e outras que não sabem o que vai acontecer no futuro, pois a gente vive de patrocínio. São os patrocínios que viabilizam, ou não, as equipes. A gente acredita que o que hoje se tem como teto salarial vai ser reduzido no ano que vem. Para alguns jogadores, para alguns membros de comissão técnica, talvez se torne inviável continuar trabalhando no esporte, com a bola. Se em algumas circunstâncias a gente acha que não ganha o suficiente, vamos dizer sobre nós que somos equipes médias ou pequeno porte, se torna inviável continuar trabalhando em uma situação dessas. É preciso que se olhe com muito carinho para a saúde financeira das equipes. Vejo os órgãos de organização das competições, a nível estadual, pouco preocupado com qual vai ser o futuro do futsal. Puxando para nós, estão pouco preocupados com o futuro do futsal catarinense. Se eles puderem puxar o esporte para meia dúzia, é o que eles querem. Essa meia dúzia que é grande, que é outro patamar. Por outro lado, sem os pequenos não existe competição. Sem os pequenos, não existe formação. Muitos jogadores vêm, saem de times pequenos, e vão para os times grandes. Já trabalhei com jogadores, em outros locais, que a equipe em que estavam inseridos foi o trampolim para chegarem às equipes que estão em uma Liga Nacional. Por exemplo, o Roque que trabalhou comigo em Xaxim e ele teve a oportunidade de ir para o Joinville em 2014, depois retornou ao Xaxim. Trabalhei com o Richard, que hoje está no Carlos Barbosa e disputando a Liga Nacional, e que saiu para o Jaraguá e no Marreco, mas foi ao disputar uma Liga Sul que a gente foi jogar pelo Xaxim que ele despontou. É preciso que exista o pequeno. Infelizmente, a Federação não olha para a gente. É um cenário muito preocupante, pois a gente não sabe o que vai acontecer no ano de 2021.
DR - Em 2020, quais são as certezas e as incertezas que pairam na temporada?
Ferreti - Incertezas são muitas. A gente não sabe de que forma vão acontecer as competições neste ano. Estamos no início de setembro e não existe nenhuma liberação dos órgãos de saúde estadual para que as competições aconteçam. O que agente sabe, que aí é uma certeza, é que precisa de uma liberação do COES, que é um órgão de saúde do estado, para que o protocolo seja viabilizado, ou corrigido por eles. Foi enviado o protocolo da Federação Catarinense a eles, estamos no aguardo desde 17 de agosto e até então não foi dado nenhuma resposta. O que a gente sabe é que tem que aguardar, que vamos aguardar e vamos aguardar. Nesse meio tempo, a gente tem que enaltecer o esforço que é feito por nossa diretoria e por nossos patrocinadores que honram com os compromissos. Se não fossem eles, a situação estaria muito pior para a equipe do Futsal São Lourenço. A certeza é que a gente tem que seguir esperando. A incerteza é que a gente não sabe o que vai acontecer com o futsal catarinense e nem com o campeonato catarinense de 2020. Esperamos que seja dada uma resposta brevemente, para que assim possamos seguir com os trabalhos.
DR - Se houver liberação, ainda havia três ou quatro meses para realização das competições. Nesse período, ainda é possível realizar competições dignas ao esforço desprendido pelos atletas e equipes?
Ferreti - Não é o ideal. Não é o ideal a gente dizer que vai jogar uma temporada. Uma temporada para o Futsal São Lourenço tem três competições, que é os Jogos Abertos de Santa Catarina [Jasc], Copa Santa Catarina e a Série Ouro do estadual. Se a gente jogar três meses de competições, provavelmente três competições não vão dar de fazer. Não há condição e nem viabilidade de calendário para que a gente jogue três competições em três meses. A gente está falando de jogar uma competição por mês. Acredito que as competições teriam que ser adequadas ao novo calendário. O que a gente sabe, por exemplo, dos Jogos Abertos é que seria uma competição de mata-mata, ou seja, você já entra jogando pela vida, a continuidade na competição. Ganhando, continua. Perdendo, está eliminado. Essa seria uma competição de tiro curto. O Campeonato Catarinense da Série Ouro, provavelmente, teria que ser adequado a uma situação dessas. A Copa Santa Catarina, a viabilidade dela, tudo depende do que o Governo vai decidir. Se for ser necessário testes; há quanto tempo será necessário fazer testes; que testes deverão ser feitos. Se for optado por testes mais caros, o dispêndio de recursos para uma equipe é muito maior. Se for por teste rápido, o dispêndio da equipe é menor e viabilidade é maior. Estamos ainda nas questões das incertezas e de uma resposta do que o Governo do Estado pensa e como eles vão produzir de protocolo para que a gente continue a poder trabalhar.
DR - Em algum momento as equipes foram chamadas para tratar esses protocolos?
Ferreti - Única coisa que sei, é que a diretoria, o Presidente [Ademir] Lolatto e o Supervisor Márcio, fazem parte de um grupo de WhatsApp que de vez em quando a Federação se reúne com os clubes. Aí tudo via on-line. O que sei é que a Federação troca ideia com os clubes, em alguns momentos. Mas o Governo do Estado não. Pelo menos, nossa equipe não foi procurada. O que a equipe passou, passou para a Federação e acredito que a Federação tenha procurado os órgãos de estado. Depois que o protocolo foi encaminhado aos entes do Estado, nenhuma respostas foi nos dada. Hoje, quarta-feira [2 de setembro], iria haver uma reunião entre os órgãos para que seja dado algum parecer a Federação Catarinense e aos outros esportes de quadra.
DR - Você sempre teve um olhar mais humanitário, embora técnico, no que tange os esportistas. Em havendo a liberação para os jogos, quais são os riscos que os jogadores estão expostos no aglomerar todas essas competições?
Ferreti - A questão do Coronavírus a gente vai ter que conviver com ela, até que se descubra uma vacina. Não é uma questão ideal. A gente gostaria de praticar o esporte sem nenhuma questão que nos trouxesse risco. É preciso que os atletas do futsal, bem como os de outras modalidades de quadra, tenham na cabeça que é necessário do cuidado com higiene, uso de máscara e álcool em gel, além de manter o afastamento, para que as competições aconteçam. Isso buscando uma condição ideal e dentro da realidade financeira que a gente tem. Risco sempre vai ter. Hoje, somos em 20 pessoas dentro da equipe e nenhuma pessoa contraiu o Coronavírus. Sabemos que o risco maior está nas viagens, quando a gente começa a ter que transitar de uma cidade para outra. Querendo ou não, nosso esporte é um esporte de contato. Isso vai gerar contato. Acredito que é um risco que a gente vai ter que conviver. Pelo que acompanhei, os índices de transmissão no esporte pode até ser alto, considerando que são grupos e quando um se contamina os demais também podem se contaminar. Por outro lado, a letalidade do vírus é baixa. Muitos atletas passam sem sentir os sintomas. Vão descobrir quando for feito os exames. Vi algumas reportagens e algumas publicações em que as atividades físicas produzem determinadas substâncias que inibem a circulação do vírus pelo organismo. Nessa situação, o esporte pode ser liberado. Logicamente que sempre seguindo os protocolos sanitários. Ressalto mais uma vez, que os protocolos devem seguir uma lógica financeira de cada modalidade. Não adianta achar que somos iguais ao automobilismo, ou o motociclismo, quem tem dinheiro ao ufa, e que podem testar a cada etapa. Essa não é uma realidade dos esportes de quadra no Brasil.
DR - Outras questões podem refletir também, como lesões e desgastes?
Ferreti - Sim. As competições são feitas para acontecer entre maio e dezembro, se afunilar eles para acontecer em dez dias, uma semana ou três meses, o tempo de descanso e recuperação vai ter que ser muito bem dosado. Se acontecer de não dosar o tempo adequadamente, seja de um jogo para outro ou de um jogo para um treino, os atletas podem lesionar com maior facilidade. Nós, aqui de São Lourenço, temos outra questão, que é a logística. Somos o time mais distante, principalmente dos times do litoral. Para nós, as viagens são muito longas. Por isso, quando definir sobre a abertura, a gente vai ter que trabalhar com essa questão do número de jogos que a gente vai fazer, o tempo em que a gente vai fazer e que recuperações vão dar aos atletas. Chegando a um determinado momento, que os atletas tenham um gasto energético muito alto, 24 horas não são o suficiente e 48 horas não será o suficiente. Precisamos dosar isso aí, para que não aconteçam lesões e os esportistas não paguem essa conta.
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